sexta-feira, 8 de julho de 2016

todo jogo um 7x1 diferente

Dois anos não foram suficientes para curar a ressaca. Dois séculos não o serão. Aqueles 90 minutos no Mineirão jamais serão página virada para quem, como eu e você, o viu, in loco ou pela TV.



O fato é que aquela tarde não foi casual. Foi contra a melhor seleção da Copa, aquela que se tornaria campeã cinco dias depois, é verdade. Mas poderia ser qualquer uma. Foi sem Neymar, mas com ele o resultado seria semelhante - e ainda que não o fosse, só tornaria a chamada "Neymardependência" ainda mais evidente.

A seleção detentora do maior número de títulos no futebol é passado. Hoje, a Canarinho é pequena, minúscula - do tamanho do futebol que apresenta.


Voltemos àquela terça-feira, 8 de julho de 2014. O Brasil seguia invicto na Copa: três vitórias (Croácia, Camarões e Colômbia) e dois empates (México e Chile). Éramos os campeões da Copa das Confederações (com direito a chocolate na então campeã mundial, Espanha). Jogávamos em casa. A Copa das Copas. Uma torcida extasiada com jogos delirantes, verdadeiros espetáculos pro torcedor que nasce apaixonado por futebol, como o brasileiro. O destino havia de nos sorrir: era a nossa hora.

Mas o que se via em campo era um time desorganizado. O esquema tático, obsoleto (pra dizer o mínimo), não ligava meio e ataque - em particular porque nunca tivemos um meia armador, o que talvez explique o porquê Neymar era a única esperança brasileira, já que buscava a bola no meio e trazia pra área no drible. Hulk e Fred não apareceram não porque são maus jogadores, mas porque nem viam a cor da bola. As jogadas pelas laterais, além de há muito manjadas, paravam na Copa apagada que Marcelo e Daniel Alves (e Maicon, no fatídico 7x1) fizeram. Não raro nossa zaga bateu cabeça; isso quando de fato estava na zaga, pois tanto David Luiz quanto Thiago Silva irresponsavelmente subiam pro ataque e deixavam o meio defensivo totalmente exposto. Julio César, goleiro no máximo mediano pro padrão do futebol atual, acabou salvando o Brasil de uma eliminação ainda mais precoce, contra o Chile.

Era a nossa hora? Honestamente, demos sorte de chegar às semis. Poderíamos ter nos complicado na fácil chave da primeira fase, se a Croácia tivesse o artilheiro Mandzukic liderando o ataque. Ou se, naquele jogo contra Camarões, tivéssemos enfrentado um time mais forte - com todo respeito aos camaroneses, mas ter sido a única seleção do grupo a sofrer gol deles é uma vergonha por si só. Ironicamente, em nosso melhor jogo na primeira fase empatamos sem gols com o México; o goleiro Guillermo Ochoa pegou até pensamento naquela oportunidade.


O jogo mais emblemático para fundamentar o fato de que as coisas não iam bem foi, sem dúvidas, o jogo das oitavas-de-final, contra o Chile. Um empate em 1x1, depois de um jogo disputadíssimo, com direito a uma bomba no travessão de Julio César aos 15 minutos do segundo tempo da prorrogação. Pinilla, o autor do chute, desperdiçou sua cobrança de pênalti; William e Hulk, pela seleção brasileira, e Sánchez e Jara, pela Roja, também desperdiçaram.

Nas quartas-de-final, um duelo contra uma das sensações do torneio, a seleção colombiana. James Rodríguez, que se tornaria o artilheiro da competição com seis gols, foi bem marcado - e ainda assim marcou seu gol. Do lado verde-e-amarelo, a dupla de zaga Thiago Silva e David Luiz marcaram e garantiram a ida do Brasil às semifinais pela primeira vez desde a campanha do pentacampeonato, em 2002. Thiago Silva levou um cartão amarelo infantil e, graças ao cartão que recebeu contra o Chile, foi suspenso. E Neymar, artilheiro brasileiro na competição com quatro gols, sofreu uma luxação em uma costela depois de uma disputa com Zuñiga e deu adeus à competição.

O resto é história - literalmente.
Sete marcos sobre aquele jogo:
  • Foi a maior goleada que a Seleção Brasileira já sofreu. O recorde anterior era um 6x0 sofrido contra o Uruguai, em 1920.
  • Até então, apenas em 1938 o Brasil havia sofrido mais de sete gols em uma única edição de Copa do Mundo: 11 - sendo que cinco foram sofridos na vitória por 6x5 contra a Polônia, nas oitavas-de-final. Em 2014, foram 14 gols sofridos.
  • O segundo gol tornou Miroslav Klose o maior artilheiro isolado da história das Copas. Ronaldo era o detentor da marca até então.
  • Foi a maior derrota de uma seleção anfitriã na história dos Mundiais. O recorde anterior era o 5x2 que a seleção sueca sofreu na final da Copa de 1958, contra o Brasil.
  • Foi o menor tempo que uma seleção levou para fazer quatro gols em uma Copa do Mundo: seis minutos. Antes, a Hungria havia levado sete minutos contra El Salvador, na Copa de 1982 - o jogo terminou 10x1 pros húngaros.
  • Foi a primeira vez que uma seleção sofreu cinco gols no primeiro tempo de jogo desde Iugoslávia 9x0 Zaire na Copa de 1974, na Alemanha Ocidental.
  • Foi o evento esportivo mais comentado da história da internet, com 35.6 milhões de tweets no dia do jogo. O segundo colocado, o Super Bowl XLVIII, somou 24.9 milhões de tweets.

Na disputa pelo terceiro lugar, novo vexame: 3x0 pro selecionado holandês, com dois gols marcados nos primeiros 10 minutos de jogo.

Mapa de calor do atacante Fred no 7x1. Repare que o ponto onde Fred mais tocou na bola foi o círculo
central - para dar reinício ao jogo depois dos gols.

Depois da Copa, o Brasil jogou 13 amistosos, com 13 vitórias - inclusive contra times como a França, atual vice-campeã europeia, e Chile, bicampeão sul-americano. O técnico Dunga chegou a vencer uma sequência de 10 jogos, algo que não acontecia desde 1970 e a seleção que faturou o tri no México. No entanto, a grande maioria destes times eram de pouca ou nenhum expressão (e jogando mal em muitos destes casos), tornando a marca um tanto quanto controversa.

Provas desta controvérsia são os jogos de campeonato que o Brasil disputou desde aquele 8 de julho. Nas Eliminatórias para a Copa que será realizada na Rússia em 2018, o Brasil amarga a sexta posição, com duas vitórias (Peru e Venezuela, ambos os jogos disputados no Brasil), três empates (contra Uruguai, no Brasil, e Argentina e Paraguai, fora) e uma derrota (contra o Chile, fora). Os próximos jogos, contra Equador (fora) e Colômbia (casa), são contra seleções melhores colocadas até o momento nas Eliminatórias. Embora ainda hajam 12 rodadas, é bom a única seleção a ter participado de todas as Copas do Mundo acender o sinal amarelo.

Já nas duas Copas América (em 2015, no Chile; em 2016, em edição comemorativa, nos EUA), o Brasil amargou duas eliminações. Na primeira, derrota (nos pênaltis) para o Paraguai nas quartas-de-final, exatamente o que ocorrera na edição de 2011 do torneio. Neymar foi expulso depois do jogo por se envolver em confusão e acabou suspenso durante os primeiros jogos das Eliminatórias. Já na Copa América Centenário, uma vexatória eliminação na fase de grupos, depois de uma vitória (por 7x1) contra o Haiti, um empate sem gols com o Equador e uma derrota para o Peru por 1x0.

Nada diminuirá a gloriosa história brasileira no futebol. Os (ainda) maiores detentores de conquistas mundiais sempre serão motivo de respeito simplesmente pelo fato de serem adversários contra qualquer seleção. Mas é óbvio que o momento requer uma enorme atenção - e tão óbvio quanto é que ainda há uma considerável parcela dos "interessados" (entenda-se "quem gosta de futebol") que se mostra satisfeito com tudo isso, justamente pelos troféus na sala de títulos da Granja Comary. A pergunta que quero deixar aqui é: até quando? Porque pelo andar da carruagem, o próximo 7x1 (contra) está vindo a cavalo.

Até a Rússia. Se chegarmos lá.