domingo, 3 de abril de 2016

iron maiden em são paulo - 26/03/2016

Prólogo

Durante o primeiro show da The Book of Souls Tour, em Fort Lauderdale (Flórida), um amigo que acompanhava comigo o livestream de um fã me perguntou:

- Você vai fazer um texto sobre a abertura da tour, né?

Eu já havia pensado nisso. Já o fiz aqui no blog, em 2013. O show de abertura é o ápice da tour, pra quem a vê de fora - e por isso mesmo, desta vez, eu não faria um post pra abertura. Porque, pela primeira vez, eu não seria parte de uma audiência passiva ao show, caçando livestreams e delirando em frente à tela do notebook. Eu estaria lá. E adiei esse texto, mesmo tendo visto ao menos um trecho de quase todos os shows da tour até aqui, porque eu estaria em São Paulo, último show da tour sul-americana.

Heaven Can Wait

Quarta-feira, 04 de novembro de 2015. Eram 23h50 quando entrei no site da Livepass para comprar o ingresso do show que o Iron Maiden daria em São Paulo, no último sábado, dia 26/03. Mesmo sendo palmeirense, seria a primeira vez que eu pisaria no Allianz Parque, casa do time alviverde - e com todo respeito à nação palmeirense, não consigo imaginar nenhum espetáculo que ultrapasse um show do Maiden e que pudesse ser realizado naquele gramado.

Foram praticamente 20 minutos dando refresh na página, antes e depois da meia-noite, hora em que os ingressos começariam a ser vendidos. O mesmo amigo que me perguntou sobre o texto, que já havia comprado o ingresso na pré-venda, também tentava da casa dele. A ansiedade só aumentou quando entrei na fila de espera, aguardando ser jogado pra dentro do site e finalmente fazer a compra. E consegui - no terceiro lote de ingressos, apenas 15 minutos depois da meia-noite, o que dá ideia da loucura que foi estar lá.

Vale lembrar que até hoje não consegui pagar o ingresso - nunca quis que meus pais pagassem meus ingressos pra show (na verdade acho que eles nem pagariam, de qualquer forma), mas como não tinha nenhuma fonte de grana à época, foi a alternativa que me restou. Fosse qualquer outra banda, eu teria deixado a oportunidade passar... mas depois de pelo menos duas tours que perdi a oportunidade de ver a Donzela (uma por grana, outra por estar fora do país), pra mim era agora ou nunca.

A sensação de ter conseguido, mesmo depois de quase cinco meses, é indescritível. Só quem foi a um show do Maiden tem a consciência de que, por mais que diversas outras bandas tenham shows maravilhosos, não há nenhum espetáculo na Terra que se iguale àquilo. Os dias posteriores àquele demoraram muito mais do que geralmente demorariam.

Remember Tomorrow

Quinta-feira, 24 de março de 2016. Ainda era meio-dia quando o banco me ligou trazendo as piores notícias possíveis: a conta que abri para receber uma bolsa da faculdade e cujo dinheiro seria gasto quase que exclusivamente no dia do show acabou entrando em algum processo burocrático que, pra ser sincero, nem mesmo eu entendi. E eu, que cogitava chegar em São Paulo ainda na sexta, para ver o pouso do Ed Force One (o avião gigante da banda, trazendo todo o staff e o equipamento do Maiden, do Anthrax e do Raven Age, as bandas de abertura da tour sul-americana), acabei tendo que desistir da ideia. E foi melhor assim: pude curtir o jogo da Seleção Brasileira contra a Celeste Olímpica, com dois tentos pra cada lado, com um amigo que, ao saber da minha situação, gentilmente me cedeu o dinheiro até que a situação com o banco se resolvesse.

Mas é óbvio que a situação de tensão só piorou com a ansiedade. No entanto, isso já não me tinha a menor importância: o dia que mais esperei em toda minha vida havia finalmente chegado.

1705, Francisco Matarazzo Avenue

O relógio estava para despertar às 5h, mesmo que eu tenha ido pra cama só às 1h30. Acordei 3h30 e fiquei na cama até o relógio tocar, querendo ao mesmo tempo que o relógio parasse, pra que eu dormisse decentemente, ou corresse, até a hora do show. Levantei, tomei café, um banho, escovei os dentes e fui de mala-e-cuia pra São Paulo, na esperança de pegar um dos primeiros lugares da fila.

Cheguei lá às 8h30. Imaginei que a fila fosse estar maior (soube de gente acampando lá desde quinta), mas ainda assim estava grande, e pelos meus cálculos eu ficaria bem próximo da grade. Acabou que não encontrei absolutamente nenhum dos amigos com os quais combinei, mas conheci muita gente legal na fila mesmo - os preconceituosos para com o metal não fazem ideia do quão sociáveis estes seres com camisetas pretas e calças jeans mesmo sob um sol saárico podem ser.

Presenciei algumas cenas bizarras, porém hilárias, como não poderia deixar de ser. Logo de cara, um motorista retardado deixou o retrovisor direito do carro num dos grandes cones de sinalização na rua. Passamos as três ou quatro horas pós-almoço (um lanche do Burger King, que tem uma loja bem ao lado da fila) com um cara, já bem chapado, gritando "Maiden!" ininterruptamente, enquanto uma reportagem do SBT entrevistou alguns dos primeiros da fila. Mas a cena mais hilária ficou por conta de uma senhora que passou abençoando os fãs da Donzela - devido ao The Number of the Beast, de 1982, o Maiden ganhou fama de satanista entre muitas seitas evangélicas e cristãs. Alguns dos caras que estavam um pouco à minha frente chamaram-na para beber uma cerveja com eles - e ela aceitou!

Quando o relógio chegou às 16h, os portões finalmente se abriram. Minha primeira vez dentro do estádio do meu time de coração seria, literalmente, dentro do gramado de jogo - o palco foi montado no gol do lado do Shopping Bourbon, virado para o tobogã do antigo Palestra Itália, demolido em 2009 para a construção da moderníssima Allianz Arena. Naquela noite, seríamos 44 mil; gritando não por 11 atletas, mas por 6 senhores às margens da terceira idade.

The Raven Age

A primeira banda de abertura foi o Raven Age, jovens ingleses com um estilo mais voltado para o metalcore. Há de se enfatizar que um dos guitarristas, George, é filho do baixista e líder dos anfitriões da noite, Steve Harris. É bem verdade que a banda não faz meu estilo, mas também não deixou a desejar: os ingleses sentiram a energia do público paulistano e deram o seu melhor. Ótima banda, extremamente competente em sua proposta.


  1. Uprising
  2. Promised Land
  3. The Death March
  4. Eye Among the Blind
  5. The Mercyful One
  6. Salem's Fate
  7. Angel in Disgrace


Anthrax

Diferentemente do Raven Age, o Anthrax me é um velho conhecido. Assim como em 2013, quando o Slayer veio a São Paulo com a banda, o Maiden mais um vez aposta num dos dinossauros do thrash para sua turnê sul-americana. E eles não só não decepcionaram, como fizeram um show digno de frontline: na divulgação do recém-lançado For All Kings, conseguiram fazer uma mescla surpreendente entre os clássicos sacramentados de sua recheada discografia com as músicas do trabalho mais recente. Ênfase pro carisma da banda, desde o líder, o sempre sábio em suas declarações guitarrista Scott Ian, até o "novato" Jon Dette, que substitui o titular das baquetas Charlie Benante, mas que é um velho conhecido do fã do thrash. Há de se pontuar ainda as performances alucinadas (e alucinantes) de Joey Belladonna, que parece que embebeu sua voz em formol e alcança vocais dignos dos anos 1980, e de Frank Bello, o baixista - não sei como ele não quebrou o pescoço naquela quase uma hora de show. Ainda houve a participação do arroz-de-festa Andreas Kisser, eterno guitarrista do Sepultura, que tocou o clássico Indians em um medley com Refuse/Resist, um dos maiores sucessos da banda mineira.


  1. Caught in a Mosh
  2. Got the Time
  3. Antisocial
  4. Fight 'Em 'Til You Can't
  5. Evil Twin
  6. Medusa
  7. Breathing Lightning
  8. Indians (feat. Andreas Kisser) (medley w/ Sepultura's Refuse/Resist)


Doctor Doctor, please

O Maiden é uma banda de rituais. Um dos mais famosos diz respeito à abertura do show: como é clássico de qualquer banda, há uma sessão de discotecagem de bandas que influenciaram a banda do show, enquanto os roadies preparam o equipamento em seus últimos detalhes pra garantir a perfeição do show por vir. E enquanto rolava o clássico Speed King, dos britânicos do Deep Purple (provavelmente a maior influência do som do Maiden), o som foi interrompido para uma última música: o maior sucesso dos também britânicos do UFO, Doctor Doctor. O riff de introdução da música, composto pelo guitarrista prodígio Michael Schenker, hoje é sinônimo de que mais um show da Donzela está prestes a começar. E essa informação já foi suficiente para que uma legião de fãs, inclusive este que vos escreve, cair incontrolavelmente no choro. Foi ali que percebi que, finalmente, eu estava vivendo o maior espetáculo musical que existe em todo o mundo.

Iron Maiden gonna get you!

If Eternity Should Fail é uma das introduções mais marcantes da discografia da banda. Isso é perceptível pra qualquer um que tenha ouvido o The Book of Souls, último lançamento do sexteto. No entanto, diferentemente do que aconteceu com a também épica introdução de Satellite 15... The Final Frontier, do disco anterior, de 2010, ou mesmo a clássica Aces High, do petardo de 1984 Powerslave, não haviam playbacks: o vocalista Bruce Dickinson entrou caracterizado como um xamã maia, acendendo seu caldeirão enquanto entoava as duas primeiras estrofes da música:



Here is the soul of a man
Here in this place for the taking
Clothed in white, standing in the light
Here is the soul of a man

Time to speak with the shaman again
Conjure the jester again
Black dog in the ruins is calling my name
So here is the soul of a man


O que se seguiu dali em diante foi um misto de êxtase, emoção, suor e sangue - minha pele, descascada pelo sol das mais de sete horas de espera do lado de fora, começava a literalmente se esfarelar na muvuca da pista premium. Na tentativa quase heroica de segurar a mochila que trouxe de casa, meus dedos também davam sinais de esgotamento. Mas àquela altura nada importava, e meus olhos estavam voltados apenas para o palco.

Bruce Dickinson fazia questão de deixar claro a satisfação da banda em estar no Brasil. Citou outros shows históricos em território brasileiro, como o Rock in Rio 1985, primeira tour do Maiden por aqui, e Interlagos 2009, o maior público da história da Donzela (300 mil almas, dizem). Agradeceu o sucesso estrondoso e a receptividade do The Book of Souls, discoo de platina mesmo no segundo país de mais downloads ilegais no mundo. Aquilo foi intensamente gratificante. Provavelmente soa loucura pra quem vê de fora, mas o magnum opus da relação fã-ídolo é a reciprocidade - ver que aqueles caras que nunca te conhecerão, ou na melhor das hipóteses não num sentido mais íntimo, compartilham esse sentimento inenarrável da admiração, não por um ou dois fãs, mas por milhões em todo o mundo que tratam sua música como uma religião.

E num misto dos maiores clássicos da banda com as músicas de seu trabalho mais recente, aliadas à teatralidade que os membros da banda e o inconfundível mascote Eddie the Head (em suas diversas facetas) acrescentam ao espetáculo, o show transcorreu da melhor forma possível. Diversas pessoas que viram outros shows do Maiden me garantem que aquele foi o melhor show que já presenciaram. Eu, por mais suspeito que seja pra falar do sexteto, posso garantir que nunca vi e jamais verei nada como aquilo. Mesmo quem não gosta da banda deveria, num gesto de humildade, curvar-se diante dos mestres do heavy metal; não há nenhum evento no mundo que se compare àquela legião de 44 mil fanáticos, e tantos outros milhões espalhados mundo afora. 

Wherever you are, Iron Maiden gonna get you, no matter how far.

Pre-show: UFO - Doctor Doctor
  1. Intro/If Eternity Should Fail
  2. Speed of Light
  3. Children of the Damned
  4. Tears of a Clown
  5. The Red and the Black
  6. The Trooper
  7. Powerslave
  8. Death or Glory
  9. The Book of Souls
  10. Hallowed Be Thy Name
  11. Fear of the Dark
  12. Iron Maiden
Encore
  1. The Number of the Beast
  2. Blood Brothers
  3. Wasted Years
Post-show: Monty Python - Always Look on Bright Side of Life