domingo, 14 de fevereiro de 2016

ondas gravitacionais... e o kiko?

Não deve ser novidade para ninguém que cientistas do LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Waves Observatory, Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser) detectaram, simultaneamente nos estados americanos da Louisiana e de Washington (distantes 3000 km um do outro), ondas gravitacionais decorrentes da colisão de dois buracos negros planetários (pulsares) a 1,6 bilhão de anos-luz da Terra. As ondas gravitacionais foram previstas ainda no começo do século XX, pelos nomes que dariam origem ao estudo da Relatividade: os físicos Hendrik Lorentz e Albert Einstein. O próprio Einstein, que fundamentou praticamente todo o conhecimento relativo à Relatividade que temos hoje, afirmou ser impossível que ondas gravitacionais pudessem ser medidas empiricamente - o que significaria, do ponto de vista científico, que seríamos "indiferentes" a ela, por não podermos estudá-las sob o chamado "método científico". Felizmente, ele estava errado.

O que é a Relatividade?


A velocidade da luz é de oitenta mil léguas por segundo. Um raio luminoso da Via-Láctea gasta seis séculos para chegar até nós. De sorte que é bem possível que uma estrela, quando a observamos, já tenha desaparecido. Muitas são intermitentes, outras não voltam jamais; e mudam de posição; tudo se agita, tudo passa.
(trecho de Bouvard e Pécuchet, livro de Gustave Flaubert, lançado em 1881)
O matemático escocês James Clerk Maxwell reuniu, durante o início da década de 1860, quatro equações que tratavam da relação entre luz, eletricidade e magnetismo. As quatro equações de Maxwell deram origem ao estudo do eletromagnetismo, um dos quatro grandes campos que a Física dispõe atualmente para estudar a matéria chamada bariônica - que, basicamente, é tudo o que existe no Universo que é composto por prótons, nêutrons e elétrons. Durante as duas últimas décadas do século XIX, um grupo de físicos concluiu que, para observadores em velocidades distintas em relação a um evento eletromagnético, o mesmo poderia ser descrito de maneiras muito distintas. O físico holandês Hendrik Lorentz, presidente das famosas Conferências de Sauvay, teorizou que a radiação eletromagnética deveria haver um meio de propagação próprio, o chamado éter luminífero, que não interagia com absolutamente mais nada exceto o próprio espectro eletromagnético.

Em 1887, o experimento de Albert Michelson e Edward Morley, através de um interferômetro, pôs abaixo a teoria de Lorentz sobre o éter. Segundo os dados colhidos por Michelson e Morley em diferentes meses do ano, a propagação da luz parecia ser a mesma sob quaisquer circunstâncias. Concluíram que ou a Terra se mantinha estacionária em relação ao éter ou o mesmo não existia - a comunidade física, que àquela altura já não considerava nenhum referencial "privilegiado" (como eram a Terra e o Sol nos modelos geocêntrico e heliocêntrico, respectivamente), adotou a segunda alternativa. A Lorentz restou construir outra teoria, na qual não se interessava mais em como a radiação se propagava, mas no porquê de um mesmo fenômeno poder ser visto de maneiras distintas por dois observadores em referenciais distintos. Hoje conhecida como transformação (ou transformada) de Lorentz, a teoria concluiu que o tempo se dilata e o espaço se contrai de acordo com o coeficiente de Lorentz:
onde v é a velocidade do corpo analisado e c é a velocidade de propagação da luz no vácuo (aproximadamente 1.080.000 km/h).

Na prática, o coeficiente de Lorentz significava uma expansão da mecânica newtoniana. Para valores de v que sejam muito menores que c (ou seja, as velocidades com as quais lidamos cotidianamente), o coeficiente tende a 1, e a mecânica newtoniana continuaria reinando soberana. Para velocidades maiores, o valor do coeficiente cresce abruptamente, e a física proposta por Newton deixa de ser suficiente - Newton ignorou a dilatação do tempo nestes casos. Percebam que, quando v = c, o denominador da divisão se torna 0, e divisões por zero são uma indefinição matemática; da mesma forma, para v > c, a raiz do denominador assume valores negativos, outra indefinição matemática (no conjunto dos números reais).

E esse é o conceito básico da Teoria da Relatividade Restrita (TRR) em termos matemáticos. E onde entra Einstein nessa história? Nas duas grandes sacadas de mestre que tornaram a TRR uma das teorias mais poderosas de toda a Física: a invariância da velocidade da luz para quaisquer referenciais distintos; e a invariância das leis da Física para dois observadores em um mesmo referencial. (O nome original da TRR era "teoria dos invariantes"; o alemão Max Planck, pai da Mecânica Quântica, é que sugeriu a Einstein o nome "relatividade", para que se ressaltasse o caráter que molda a teoria: a Física continua a mesma, porém é relativa ao referencial da qual se observa um evento.)

— Pode existir um cubo instantâneo?
— Não percebo — disse Filby.
— Pode ter existência real um cubo que não dure por nenhum espaço de tempo? (...) Não há dúvida que todo corpo real deve estender-se por quatro dimensões: deve ter Comprimento, Largura, Altura e... Duração. Mas, por uma natural imperfeição da carne, somos inclinados a desprezar esse fato. Há realmente quatro dimensões, três das quais são chamadas os três planos do Espaço, e uma quarta, o Tempo. Existe, no entanto, uma tendência a estabelecer uma distinção irreal entre aquelas três dimensões e a última, porque acontece que nossa consciência se move descontinuamente numa só direção ao longo do Tempo, do princípio ao fim de nossas vidas.
(trecho de A Máquina do Tempo, livro de H. G. Wells, lançado em 1895) 

Em 1915, Einstein dá um "upgrade" na TRR: passa a considerar que o espaço e o tempo são uma mesma entidade, o espaço-tempo, e a gravidade, que Newton havia estabelecido como uma força de atração mútua entre dois objetos e proporcional às suas massas, é uma consequência da deformação que qualquer objeto massivo causa no espaço-tempo. Tal ideia abriu caminho para inúmeras contribuições de astrônomos e astrofísicos, e ainda hoje é o norte de quaisquer pesquisas sobre Relatividade. A expansão da TRR ganhou o nome que pôs Einstein, definitivamente, no Olimpo dos grandes nomes da ciência do século XX: Teoria da Relatividade Geral, ou TRG.

Existência dos buracos negros


Grandes massas causam grandes deformações no espaço-tempo... ok. E se tivermos uma massa muito grande contida em um volume bem reduzido, de forma que a velocidade de escape (isto é, a velocidade que um corpo necessitaria para vencer a gravidade dessa massa "compactada") seja igual ou superior à velocidade da luz? Foi a pergunta que Karl Schwarzschild se fez ao tomar conhecimento dos trabalhos de Einstein sobre a TRG. Objetos tão massivos foram denominados posteriormente buracos negros, por sua principal característica: em sua "órbita" (o chamado horizonte de eventos), é impossível observar diretamente um buraco negro, já que ele não reflete o espectro eletromagnético - pelo contrário: todo o espectro que chega ao horizonte de eventos é "sugado" para o ponto infinitesimal, chamado singularidade, que causa tamanha distorção.

Schwarzschild faleceu em 1916, e teve pouco tempo para desenvolver seus escritos na TRG. Só meio século depois, na década de 1970, é que os buracos negros voltaram a ganhar notoriedade, com os trabalhos do britânico Stephen Hawking. Entre várias contribuições de Hawking à teoria dos buracos negros, a mais notória é a chamada radiação Hawking, que ocorre devido às flutuações quânticas de vácuo, que por sua vez é um subproduto do Princípio da Incerteza, descrito por Werner Heisemberg ainda na década de 1920. Resumidamente, o que conhecemos como vácuo é um par de partículas matéria-antimatéria que, quando atinge seu estado fundamental, se divide. Eventualmente, a divisão pode ocorrer na borda do horizonte de eventos do buraco negro, que "engole" a partícula de energia negativa (antimatéria) e expele a partícula de energia positiva (matéria), já que o próprio buraco negro tem energia positiva. A radiação Hawking era considerada a principal ligação entre a Mecânica Quântica e a Relatividade, no desafio que tem sido o Santo Graal da Física contemporânea.

Ondas gravitacionais


Era. O anúncio da descoberta das ondas gravitacionais na última quinta-feira abriu um leque gigante de possibilidades na TRG. Além disso, explicou uma série de problemas em aberto propostos por Einstein ainda nos primeiros anos do século XX.

Existência das ondas gravitacionais: a própria descoberta das ondas gravitacionais é um evento extraordinário. Uma onda gravitacional se forma quando um corpo se move pelo tecido do espaço-tempo; no entanto, essa onda é extremamente curta, tão curta que só foi possível sua detecção pela grandeza do evento ocorrido. Para se ter uma ideia, os dois buracos negros que formaram as ondas gravitacionais detectadas pelo LIGO eram 29 e 36 vezes mais pesados que nosso sol, e sua fusão resultou em um buraco negro de 62 massas solares - isto é, 3 massas solares foram literalmente expelidas em forma de ondas de gravidade. Mesmo assim, o sinal captado pelo LIGO tinha um milésimo do diâmetro de um próton - algo como 0,000000000000000002 metros. Dá pra imaginar o porquê de Einstein ter imaginado que nunca as detectaríamos.

Existência dos buracos negros: parece incrível, mas não tínhamos nenhuma prova empírica da existência dos buracos negros - como dito acima, um horizonte de eventos é invisível, já que não emite nenhuma radiação. Conforme a técnica para detecção de ondas gravitacionais for sendo aprimorada, não precisaremos nos desesperar pela impossibilidade de ver os buracos negros; agora, podemos "ouvi-los".

Um elo entre a Mecânica Quântica e a Relatividade: a Mecânica Quântica reina no mundo micro, subatômico. A Relatividade é a Física do mundo macro, de planetas e suas luas até todo o Universo. Achar pontos de ligação entre esses dois reinos é a chave da construção do que muitos chamam de Teoria do Tudo. E depois da radiação Hawking, as ondas gravitacionais são mais uma evidência de que, mesmo em eventos de dimensões colossais, o mundo subatômico é de suma importância para o conhecimento de... "tudo".

Uma possível explicação para a matéria não-bariônica: citei também que as quatro grandes áreas da Física (a saber, além do eletromagnetismo e da gravidade existem também as forças nuclear forte e nuclear fraca, que só agem a nível subatômico) só interagem com a matéria bariônica, isto é, a matéria que contém prótons, nêutrons e elétrons. No entanto, isso é muito pouco: na verdade, estima-se que algo entre 4 e 5% do Universo seja matéria bariônica. O restante é composto pela energia escura (é uma energia misteriosa que não fazemos ideia da origem, mas imagina-se que seja a responsável pela expansão do Universo) e matéria escura. Matéria escura são pontos de gravidade, detectáveis já há algum tempo, mas que não se têm a menor ideia do que são de fato, tal como a energia escura. E já que agora somos capazes de detectar estes pontos por mais uma técnica, pode ser que surjam novas teorias de como a matéria escura se comporta. Há a possibilidade de que nosso Universo tenha quatro dimensões espaciais e nós consigamos detectar apenas três, o que significaria que a aceleração do Universo hoje atribuído à energia escura possa ter essa origem - mas poderíamos detectar os vestígios dessa quarta dimensão espacial pelos ruídos gravitacionais que ela emite.

As possibilidades são inúmeras. Há quem já fale em viagens espaciais, temporais e até interdimensionais conforme a tecnologia necessária para dominarmos a gravidade finalmente for sendo desenvolvida. Abre-se a porta para que a humanidade dê um passo consistente rumo à origem de tudo, uma das perguntas mais inquietantes de nossa Filosofia. Quem viver, verá.