quinta-feira, 14 de março de 2013

rush - 2112 (1976)

Primeiramente: a todos os amigos do blog, meu mais sincero pedido de desculpas. O tempo anda bem corrido ultimamente, e escrever por aqui tem sido impossível. Alguns posts estão bem encaminhados, e futuramente serão postados aqui. Infelizmente, não conseguimos mais dar conta dos uploads dos discos; portanto, resumiremo-nos apenas às resenhas. Na primeira resenha de 2013, um disco muito especial pra mim, que ouvi exaustivamente nesse tempo de ausência do blog.



Rush em 1975, da esquerda pra direita: Alex Lifeson (guitarra), Neil Peart (bateria) e Geddy Lee (baixo/vocal)
Na segunda metade da década de 1970, o rock progressivo já havia se consolidado enquanto estilo, dentro do que já havia sido feito por outras bandas na década de 1960. Discos como Dark Side of the Moon (Pink Floyd, 1973), Close to the Edge (Yes, 1972), Moving Waves (Focus, 1972) e Aqualung (Jethro Tull, 1971), entre outros, tornaram-se verdadeiros clássicos do prog - ainda hoje são aclamados como alguns dos melhores lançamentos de todos os tempos. O que percebe-se, olhando no panorama musical atual, é que os lançamentos proggers da década de 1970 se resumiam, basicamente, à Europa: não havia nenhum grande expoente do estilo na América, onde à época ganhava força a cena hard rocker, com bandas como Kiss e Aerosmith embalando seus sucessos nas rádios norte-americanas.

Em Cleveland, Ohio, e nos arredores da cidade, começava a ganhar força a música de um power trio de Toronto, no Canadá. O Rush, que a princípio era uma banda basicamente blues, lançou seu disco debut em 1974, sem apoio de nenhuma gravadora (todas as gravadoras canadenses recusaram-se a financiar o disco). Se em seu país de origem o lançamento não foi tão bem recebido, o Rush fez um verdadeiro estardalhaço do outro lado dos Grandes Lagos, com uma turnê americana que rodou mais de 17 mil quilômetros em um carro alugado pelo trio - composto por Geddy Lee (baixo e vocal), Alex Lifeson (guitarra) e Neil Peart (bateria - Peart assumiu as baquetas dois meses depois do lançamento do disco, que fora gravado por John Rutsey).

Peart, um baterista apaixonado pelo jazz nova iorquino, deu ao Rush uma nova sonoridade, bem mais complexa que o blues trazido por Lee e Lifeson. O disco Fly by Night, de 1975, reflete bastante a drástica mudança na sonoridade do Rush, com quebras de tempo vigorosas e um maior apelo à parte lírica das composições, pelas quais Neil se tornou responsável (e o é ainda hoje). Ainda em 1975, o terceiro disco do Rush, Caress of Steel, foi lançado - dessa vez o disco não foi bem aclamado, por ser ainda mais arrojado que o anterior, incluindo duas suites (The Necromancer, de 12 minutos e 30 segundos, divididos em três partes, e The Fountain of Lamneth, de 19 minutos e 59 segundos, divididos em seis partes). Caress of Steel foi um verdadeiro fracasso comercial, e por muito pouco o Rush não perde seu contrato com a Mercury. Tal fracasso deixou os integrantes furiosos. "Por causa de todas essas pessoas colocando pressão em nós, começamos a olhar a nós mesmos pelos nosso próprios olhos. Sabíamos exatamente que direção deveríamos tomar, e nos pautamos em fazer sucesso em nossos próprios termos", disse Geddy Lee em entrevista.

O quarto disco do Rush veio como resposta - e que resposta! - a todos esses fatores. 2112 (pronuncia-se "twenty-one twelve", ou "vinte-e-um doze") foi lançado em 1976 e acabou se tornando um dos maiores clássicos da banda, seguindo a fórmula já adotada em Caress of Steel, tornando-se o maior sucesso comercial da banda até então e, obviamente, calando a boca de sua gravadora. Atualmente, é um dos dois discos do Rush a compor o famoso livro 1001 Albums You Must Hear Before You Die ("1001 discos que você precisa ouvir antes de morrer", em tradução literal) e é o único a constar na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame.

Capa de 2112 (1976)
O disco é dividido em duas partes. Na primeira, a faixa-título (a maior música já composta pelo Rush, com colossais 20 minutos e 34 segundos), a banda cria uma espécie de disco conceitual embutido dentro do disco, como um todo. A história trata de uma ficcional civilização futura - em 2062, uma guerra entre os planetas da galáxia resultou na união completa de suas civilizações, que ficou sob o comando da Red Star Solar Federation. No ano de 2112, os tutores da vida na Terra são os padres dos Templos de Syrinx, e está na mão destes padres o controle de tudo que ocorre no planeta - música, pintura, arquitetura, tudo é regido segundo as regras dos Templos.

Um dia, um homem encontra um violão escondido sob uma cachoeira. Abismado com sua fantástica descoberta, o personagem aprende sozinho a tocá-lo e, empolgado, leva-o até os chefes do Templo para anunciá-los. Diferentemente da recepção calorosa que esperava, os padres de Syrinx reprimem violentamente sua música: "Another toy that helped destroy the elder race of men/Forget about your silly whim, it doesn't hit the plan". Desolado, o homem volta pra casa e começa a refletir sobre tudo aquilo.

Eis que pega no sono. Em seus sonhos, ele faz uma viagem astral, guiada por um oráculo, que mostra todos os avanços que a humanidade fizera em outros tempos: homens propensos a falhas, mas com uma imensa sede de curiosidade e prazer pela descoberta. Devido à administração da Red Star e dos padres de Syrinx, a "raça anciã" deixou o planeta para continuar com seus avanços à parte de toda repressão. Subitamente, o homem acorda e começa a maravilhar-se diante de todas as possibilidades que aquela civilização poderia trazer à raça que agora habita a Terra: "Just think of what my life might be/In a world like I have seen/I don't think I can carry on/Carry on this cold and empty life".

Em circunstâncias não detalhadas no enredo da obra, a raça humana retorna ao planeta e, depois de uma intensa batalha, retoma o controle da Terra e expulsa os padres e toda a administração dos Templos. Eis que a primeira parte se fecha, com a voz de Geddy Lee e os dizeres "Attention all the planets of the Solar Federation, we have assumed control" em looping.

Essa primeira parte do disco é uma crítica, ainda que metafórica, à indústria fonográfica vigente. Os barões da indústria, representados aqui pelos padres, tomaram o controle de toda forma artística (em particular, a música) e comercializam-na como se fossem seus donos, impondo limites aos artistas e não os permitindo expressar livremente sua arte. Sob um âmbito atual, quase 40 anos após o lançamento do disco, a indústria encontra-se tão engessada em termos de liberdade artística, sendo tão raro encontrar artistas e composições ímpares, que praticamente vivemos em uma sociedade como a da Red Star. Fica a reflexão: será que um dia seremos libertos dessa condição?

A segunda parte de 2112 (o disco) tem músicas sem um contexto específico. À exceção de Tears, composta exclusivamente por Geddy, e Lessons, composta por Alex, são todas compostas em conjunto por Lee, Lifeson (melodia) e Peart (letra). A Passage to Bangkok é uma música típica do estilo que o Rush trazia consigo desde a inserção de Neil na banda, no Fly by Night; bem como The Twilight Zone, que foi composta e gravada no mesmo dia, enquanto a banda estava trancada na gravação do disco.

Lessons é uma espécie de reflexão auto-biográfica de Alex Lifeson. A letra fala sobre o aprendizado que cada um de nós adquire conforme ganhamos experiência de vida, e o quanto tempos ruins podem transformar-se em lembranças reconfortantes em tempos futuros. Em Tears, Geddy Lee disserta sobre o amor e a eterna montanha-russa emocional que um casal enfrenta em uma vida a dois: "Would it touch you deeper/Than tears that fall from eyes/That know why?".

Starman, "mascote" do Rush
surgido em 2112
Something for Nothing, a última das seis faixas de 2112, foi composta por Neil Peart, e foi baseada na vida de constantes viagens em turnê. Segundo o próprio: "Durante a década de 1970, a banda estava indo em direção a um show na periferia de Los Angeles, no Shrine Auditorium, e eu reparei em uma pichação sob uma placa: 'a liberdade não é livre'. Adaptei tal frase para a faixa que fecha o 2112, Something for Nothing".

A capa do disco tornou-se, ela própria, um clássico da banda. O Starman (que, de certa forma, virou uma espécie de "mascote" do Rush), segundo Peart, representa o homem livre que não se importa com as massas - ou, metaforicamente, o personagem principal narrado em 2112; a estrela vermelha, que representa o logo da Red Star Solar Federation na faixa-título, diz respeito ao senso comum ou, nas palavras de Neil, à "mentalidade coletiva". O Starman está nu em alusão à sua pureza, livre de tradições coletivas ou acordos sociais tais qual o modo de se vestir.

Segundo Lifeson, "2112 foi o primeiro disco no qual o Rush soou como o Rush". Não sei, enquanto um mero ouvinte, até que ponto Alex levou sua frase (certamente impactante) como algo realmente sério. O fato é que 2112 soa como uma obra atual mesmo depois de tanto tempo de seu lançamento, e o impacto causado na sociedade da época com um tema tão complexo deve ter sido mesmo assustador - ainda hoje tal tema faz brilhar os olhos deste que vos escreve. Um disco realmente encantador, com uma temática genial e, alheio a tudo e a todos, comercialmente bem sucedido - somente com a venda nos EUA, conseguiu platina tripla. Sendo ou não o primeiro do "gênero", 2112 é, de fato, tipicamente Rush.

Track List

1. 2112
2. A Passage to Bangkok
3. The Twilight Zone
4. Lessons
5. Tears
6. Something for Nothing