segunda-feira, 6 de agosto de 2012

megadeth - rust in peace (1990)

Muitas obras no metal podem ter a conotação "petardo" aliadas a elas, muitas vezes de modo quase que intrínseco. Entende-se por petardo, comumente, um som extremamente potente, vigoroso, uma verdadeira porrada na orelha, digno de uma banda de metal. É muito comum que o termo seja associado a discos de vertentes mais extremistas (quase nunca se vê no heavy metal, por exemplo), provavelmente porque o groove associado ao som deixe aquela sensação de crueza, aquela sujeira que só se ouve nas grandes representantes do metal ao redor do mundo. No entanto, é muito raro associar o termo "petardo" com outro termo, "polido", este já mais comum entre vertentes mais próximas ao rock. Um disco polido é um disco bem trabalhado, melodicamente complexo e liricamente bem composto. Este, contudo, é um disco que pode perfeitamente ter os dois adjetivos a ele ligados.

Da esquerda para a direita: David Ellefson, Marty Friedman, Nick Menza e Dave Mustaine

Filho da fúria de Dave Mustaine por ter sido chutado do Metallica (como você pode ler aqui), o Megadeth caracterizou-se em seus três primeiros discos por sua crueza e agressividade, levando o termo "thrash metal" a uma de suas definições mais precisas. Killing is my Business... and Business is Good! (1985), Peace Sells... but Who's Buying? (1986) e So Far, So Good... So What! (1988) têm riffs secos, músicas velozes e não muito longas e uma base de baixo (nos três discos, comandado por David Ellefson) e bateria (nos dois primeiros, Gar Samuelson; no terceiro, Chuck Behler) que precisava acompanhar e dar base aos solos de Mustaine e Chris Poland (no caso do terceiro disco, o outro guitarrista era Jeff Young).

Em mais uma das muitas mutações da formação do Megadeth, entra na banda o baterista Nick Menza, até então roadie de Behler, e o guitarrista Marty Friedman. Friedman desde muito novo se interessou pela cultura havaiana e japonesa, o que trouxe pra ele um estilo único. Sua origem speed metal de suas duas bandas anteriores, o Hawaii e o Cacophony (nesta última, com uma resenha de disco feita aqui, seu parceiro era ninguém menos que Jason Becker), incorporou ao Megadeth um som ainda mais rápido, mas agora mais polido que anteriormente. Nascia em 1990 o quarto disco de estúdio da banda, Rust in Peace.

Rust in Peace é um disco caracteristicamente muito veloz, e isso fica evidente já na introdução da primeira faixa, Holy Wars... the Punishment Due. O riff da música impressiona, além da rapidez, pela precisão cirúrgica que todos os instrumentistas inseriram no disco; não há uma nota fora do tempo, uma virada de bateria que não seja perfeita, uma sujeirinha qualquer. Esse perfeccionismo certamente se deve à entrada de Friedman e seus trabalhos no metal neoclássico, com o Cacophony.

Mas não é por sua precisão que o disco soa menos pesado. Obviamente é muito mais melódico que os trabalhos iniciais do Megadeth, em particular se comparado ao debut de 1985, mas o peso ainda se encontra muito presente a todo instante. Talvez a maior prova seja a terceira faixa, Take No Prisoners, onde os insanos pedais duplos de Menza e as quebras de ritmo a todo o momento marcam os pouco mais de dois minutos da música.

Capa de Rust in Peace; referência à tecnologia da produção
atômica, à criogenia e às teorias da conspiração acerca
 de extraterrestres.
Impossível não citar duas das maiores faixas do metal, particularmente as minhas duas preferidas do disco: Hangar 18 e Lucretia. Ambas as músicas usam e abusam de toda a técnica dos integrantes do Megadeth: arpejos, licks e por vezes o uso do tapping dão o tom das músicas. A ferocidade das Flying V de Mustaine e Friedman permite variações entre os riffs, com um peso maior, e os solos, extremamente melódicos - a nível de thrash metal, claro. Verdadeiras aulas de guitarra.

Rust in Peace dá-se ainda ao luxo de uma faixa puramente experimental: Dawn Patrol, a oitava e penúltima. Como se gravada em um daqueles momentos em que ninguém espera que algo esteja sendo gravado, Ellefson empunha seu baixo e começa a fazer uma base qualquer.  Menza acompanha o ritmo com a bateria, em compassos repetidos por toda a música. Enquanto isso, Mustaine balbucia alguns versos sobre aquecimento global e desastres nucleares - a matriz nuclear, tanto com fins de produção energética como bélicos, pauta praticamente todo o disco.

Em termos de thrash metal, por muitas vezes o Megadeth deixa a desejar; prova disso são os discos mais recentes que, apesar de sempre extremamente técnicos e com uma pegada muito forte, não soam mais como o thrash de outrora. De todo modo, Rust in Peace entra facilmente na lista dos maiores discos da história, não só do metal, me arriscaria dizer, mas da música como um todo - tanto que ele está incluso na famosa lista "1001 Albuns You Must Hear Before You Die". Um disco polido com a pegada de um verdadeiro petardo. Um berzerk sob o traje de um lorde inglês. Simplesmente genial.

Track List
1. Holy Wars... the Punishment Due
2. Hangar 18
3. Take no Prisoners
4. Five Magics
5. Poison Was the Cure
6. Lucretia
7. Tornado of Souls
8. Dawn Patrol
9. Rust in Peace... Polaris

sábado, 4 de agosto de 2012

o grande ditador (the great ditactor, 1940)

Estamos inaugurando uma nova era no blog com este post. Deixaremos de nos resumir às críticas musicais (ou simplesmente críticas) e faremos também críticas do mundo do cinema. Particularmente falando, não sou assim tão entendido da Sétima Arte, mas certas obras me causaram impressões que, penso eu, seriam interessantes passar à frente - ninguém é dono da verdade, e este blog tem como um de seus fins a disseminação do conhecimento. O leitor, claro, tem todo o direito de ajudar a construir tal espaço como bem entender, desde que haja respeito à opinião alheia. Sem mais delongas, a crítica cinematográfica estreante do blog é a do filme O Grande Ditador (1940).

O Grande Ditador (originalmente The Great Ditactor) é um dos mais significativos longa-metragens do notável cineasta inglês Charles Spencer "Charlie" Chaplin. Chaplin se consagrou na história do cinema como um grande ator (na minha opinião, o maior de todos) devido a seus excepcionais trabalhos em filmes como Tempos Modernos (Modern Times, 1936), Luzes da Cidade (City Lights, 1931) e Em Busca do Ouro (The Gold Rush, 1925), todos no cinema mudo, onde seu personagem principal era um vagabundo de nome Carlitos. Com a iminente ameaça alemã, que crescia constantemente desde que o ditador Adolf Hitler assumiu seu cargo como presidente da república alemã, com a morte de Paul von Hindenburg, em 1934, Chaplin escreveu um trabalho com um cunho mais "humanitário", baseados nos acontecimentos da Europa no final da década de 1930, imediatamente antes do estopim da guerra, tudo na forma de uma sátira muito bem feita.

A história gira em torno do próprio Chaplin, que interpreta um cadete da infantaria do governo da Tomânia (nação fictícia que satiriza a Alemanha). Enquanto ele vai salvar um soldado chamado Schultz (interpretado por Reginald Gardiner), a aeronave que trazia os dois colide em uma árvore. Schultz se salva, mas Chaplin fica internado por vinte anos em um hospital, em coma e com uma completa amnésia. Depois de curado, ele volta a trabalhar em sua barbearia, que fica em um gueto judeu. A trama se desenvolve enquanto Adenoid Hynkel (interpretado também por Charlie Chaplin, em clara referência a Adolf Hitler) tenta conquistar a nação vizinha de Osterlich (sátira à Áustria), rivalizando com o ditador de Bactéria, Benzeno Napaloni (respectivamente, referindo-se à Itália e ao líder do regime fascista Benito Mussolini - Napaloni é interpretado por Jack Oakie) pela primazia na invasão.

É legal salientar três cenas clássicas no filme. A primeira delas é a cena clássica em que Hynkel brinca com um globo terrestre de plástico. Chaplin, com sua genialidade típica de metaforizar a realidade de sua sociedade, faz uma clara referência ao rumo que a ditadura do Reich estava tomando: Hitler estava sonhando em conquistar o mundo (como qualquer megalomaníaco com o poder em mãos o faria), mas sua fixação em mostrar a superioridade da raça ariana alemã acabou por destrui-lo. A música que toca ao fundo é parte da ópera Lohengrin, do alemão Richard Wagner.

Uma segunda cena, que me é particularmente muito tocante, é a que vem exatamente na sequência da cena clássica do globo. O barbeiro judeu está aparando a barba de um sujeito que mora no gueto, enquanto o rádio toca a clássica Hungarian Dance n° 5 (em G menor), composta por Johannes Brahms no século XIX. Nessa  cena, fica evidente a genialidade de Chaplin não só como diretor/roteirista, mas também como ator. Seus movimentos enquanto faz os cortes com a navalha seguem à risca a composição de Brahms, tornando a cena cômica mesmo sem uma palavra sequer ter sido dita.


A terceira e última cena que eu destaco, como não poderia deixar de ser, é o ápice do filme. O barbeiro judeu, que fora confundido com Hynkel em certo ponto do filme (para evitar spoilers, deixarei o motivo em aberto), faz o discurso final ao povo da Tomânia, informando sobre a invasão final a Osterlich. Embora seja altamente desprezível entre os cineastas que os atores olhem para a câmera durante a cena, para que o espectador esqueça o aspecto teatral da obra, Chaplin o faz - talvez justamente para que o público perceba o recado com maior lucidez. O discurso final de O Grande Ditador tomou ares de cena clássica do cinema mundial, e sem sombra de dúvidas merece estar entre as cenas mais memoráveis de todos os tempos.
O primeiro filme não-mudo de Chaplin transpôs a barreira do tempo e, apesar de já septuagenário, O Grande Ditador ainda soa incrivelmente atual. Embora o temor da guerra já tenha passado há algum tempo, vivemos em uma era onde a eficiência das máquinas e a velocidade da transmissão das informações por todo o mundo torna-nos escravos dos meios que nós mesmos criamos para nos libertar - um paradoxo que o filme expõe de forma brilhante em seu discurso final. Por esses e diversos outros motivos, O Grande Ditador emplacou seu lugar definitivo na galeria das grandes produções cinematográficas de todos os tempos.
O Grande Ditador (The Great Ditactor)
Duração: 124 minutos
Preto-e-branco
Gênero: Sátira / Comédia Dramática
Lançamento: 15 de outubro de 1940
Direção: Charlie Chaplin
Roteiro: Charlie Chaplin
Produção: Charlie Chaplin