domingo, 22 de julho de 2012

antropocentrismo - o homem e sua arte de fazer maravilhas

Se 1905 foi o anno mirabilis da Física, com os quatro artigos de Albert Einstein sobre a capilaridade, o movimento browniano, o efeito fotoelétrico (que o traria o Nobel em 1921) e a Relatividade Especial, talvez a primeira semana deste mês de julho tenha se traduzido na septimana mirabilis da Física Moderna. A descoberta de um bóson de 126,3 ± 0,6 GeV, fortíssimo candidato a ser o bóson de Higgs, talvez tenha sido só a cereja do bolo de uma semana espetacular para a Física, corroborando com a confirmação do chamado Modelo Teórico, que descreveria o universo (pelo menos o universo que conhecemos) de forma bastante satisfatória.

A mídia muito especula sobre que impacto teria a descoberta da tal "partícula de deus" na Física Moderna. Em primeiro lugar, que fique claro que essa denominação, "partícula de deus", é rechaçada por todos os físicos teóricos ao redor do mundo, bem como dos técnicos responsáveis pelos dois laboratórios do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN, na sigla em francês) que estão à caça do Higgs, o Atlas e o CMS. Trata-se, na verdade, de uma edição da denominação original "the goddamn particle" (a partícula maldita), cunhada em 1993 pelo ganhador do Nobel Leon Lederman. A editora que publicou seu livro achou o termo "maldito" pesado demais e nomeou o livro como "The God Particle: if the Universe is the Answer, What's the Question?" ("A Partícula de Deus: se o universo é a resposta, qual a pergunta?", ainda não traduzido para o português).

O bóson de Higgs é uma das 61 partículas descritas pelo Modelo Padrão da Física. Foi proposto em 1964, pelo americano Peter Higgs, como resposta a uma pergunta fundamental: existem partículas sem massa, como os fótons, e partículas com massa, como os prótons e os nêutrons. Então, como as partículas com massa a adquirem? Segundo a teoria de Higgs, o bóson que leva seu nome, juntamente com o chamado campo de Higgs, agrega algumas dessas partículas (os quarks e os léptons) e as designando massa. As demais partículas - os chamados bósons de calibre, incluindo o próprio Higgs - não têm massa porque não interagem com o campo de Higgs. Em uma analogia bem chula, é mais ou menos como dizer que existe a água e existe o suco de laranja - a diferença está no fato de que o suco de laranja interagiu com uma terceira substância, o pó do suco aromatizado sabor laranja.

O Modelo Padrão é bastante satisfatório para se compreender o universo conhecido de forma razoável - compreende-se por "universo conhecido", no entanto, algo como 4% do que realmente é o universo. Tudo o que conhecemos, desde o nosso pequeno planeta até a colossal VY Canis Majoris, a maior estrela conhecida, estão nestes 4%. Os 96% restantes são o que os cientistas chamam de matéria escura e energia escura. Segundo a Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein, todo corpo com massa causa uma deformação no espaço-tempo, tal qual uma bola de boliche causa uma deformação em uma cama elástica. O problema é que há certas regiões do universo que apresentam atração gravitacional sem, no entanto, apresentarem nenhum tipo de massa. Para isso, foram propostas as matéria e energia escuras - são "escuras" porque ainda são um verdadeiro mistério para todos os cientistas que se dedicam a identificá-las.

No entanto, físicos da Universidade Observatório de Munique, na Alemanha, afirmam ter detectado uma espécie de "teia" de matéria escura entre dois aglomerados de galáxias, a cerca de 2,7 bilhões de anos-luz da Terra. Embora os aglomerados de galáxias sejam depósitos gigantes de matéria bariônica (a matéria na forma como a conhecemos), os espaços entre estes aglomerados são ainda maiores, e é nestes gigantes espaços aparentemente vazios que os físicos teóricos esperam encontrar a maior reserva de matéria escura. Jörg Dietrich e sua equipe usaram a luz emitida pelo forte campo gravitacional que une os dois aglomerados para calcular sua massa - imagina-se que, da massa medida, 9% seja atribuída à matéria bariônica do próprio filamento estudado, outros 10% sejam atribuídos às galáxias vizinhas e todo o restante seja a tal matéria escura. O estudo de Dietrich e seus colegas pode ser o primeiro passo para o mapeamento da matéria escura no universo observável, embora não façamos ideia, ainda, do que essa matéria escura é composta; caso a descoberta do Higgs seja mesmo confirmada, este muito provavelmente será a próxima investigação do LHC (Large Hadron Collider, Grande Colisor de Hádrons - hádrons são as partículas de massa "grande", como prótons e nêutrons).

A terceira descoberta impactante da semana vem da Universidade de Griffith, na Austrália. Eric Streed e seus colegas conseguiram, pela primeira vez na história, fotografar a sombra de um átomo. A tarefa parecia ser impossível porque os átomos são bastante imprevisíveis e bastante difíceis de se manter parados o suficiente para que possam ser observados. Streed, no entanto, conseguiu confinar um átomo de itérbio em uma câmara de vácuo, e interações eletromagnéticas fortes o suficiente conseguiram fazê-lo "parar". Com um microscópio em altíssima resolução, Streed conseguiu coletar a sombra que o átomo fazia em um anteparo da câmara. A luz que fora utilizada no experimento tinha uma frequência bastante específica - se essa frequência fosse alterada em um bilionésimo, para mais ou para menos, já não seria mais possível criar a sombra do átomo. E é exatamente essa frequência específica que interessa aos pesquisadores: esses dados podem ser usados futuramente na microbiologia, por exemplo - agora os pesquisadores poderão , por exemplo, saber exatamente quanta luz eles necessitam usar para observar o funcionamento de uma célula sem, no entanto, matá-la.

Notícias como a descoberta do tal bóson candidato a ser o Higgs, ou a "teia" de matéria escura que fora detectada, ou a fotografia da sombra do átomo apenas ajudam a corroborar com a tese de que o pensamento humano não tem limites. Se há pouco mais de 200 atrás mal tínhamos acesso à energia elétrica na forma como a conhecemos, hoje conseguimos enviar sondas para explorar uma das luas de Júpiter ou Saturno, movida a energia nuclear; se há 500 anos atrás a produção de absolutamente qualquer coisa era artesanal, hoje temos máquinas que fazem o mesmo, talvez de forma ainda melhor; se há 1000 anos não conhecíamos o nosso próprio mundo, hoje podemos conhecer outros mundos. Compartilho da mesma opinião que o sempre genial Carl Sagan: fazemos parte da geração que está apenas colocando seus calcanhares no mar do conhecimento. A água permanece um total mistério, e talvez por isso mesmo soe tão convidativa. Pela primeira vez na história, podemos dizer verdadeiramente que estamos no comando do Universo. Mas ainda há muito o que explorar.