quinta-feira, 17 de maio de 2012

o efeito borboleta (2)

Veja também: o efeito borboleta

No filme Minority Report, dirigido por Steven Spielberg e baseado na obra homônima de Philip K. Dick, a polícia de Washington, no ano de 2054, já consegue prever os assassinatos e impedir que eles aconteçam. Pessoas com senso paranormal, chamadas de precogs, flutuam em meio a tanques de fluido nutriente. Ao terem uma visão, uma divisão de elite da polícia de Washington é acionada, para que se possa prender o acusado. No entanto, o sistema é duramente criticado, pois baseia-se em visões paranormais para prender alguém inocente - até porque se a pessoa é presa antes do assassinato, por mais que ela de fato o fosse cometer, ainda não é o suficiente para acusá-la de assassinato. Mas poderia, neste caso, a vida imitar a arte? Fica a pergunta: seria possível prever o futuro com 100% de precisão?

No post relativo ao efeito borboleta, modelei o que poderia ser o tempo de tráfego de um ônibus por uma cidade. No entanto, era um modelo que descrevia apenas o ônibus, e que incluía diversas variáveis: o trajeto, a velocidade instantânea do ônibus em cada ponto do percurso (ou, para uma estimativa um pouco menos precisa, a velocidade média do ônibus em todo o caminho), o número de passageiros, as condições climáticas, o estado de conservação da estrada e até mesmo fatores menos relevantes, como o estado emocional do motorista ou (por que não?) o atrito dos pneus com o asfalto. Depois de uma extensa coleta de dados, talvez pudesse ser precisado, futuramente, quanto tempo o ônibus demoraria para fazer todo o trajeto.

O problema de tal modelagem é que há muitas variáveis em jogo e que, não necessariamente, estão interligadas entre si. Seria exigido um esforço computacional muito grande para, de alguma forma, conectar todas essas variáveis individualmente e calculá-las em função do tempo total que será gasto. Além do mais, funções como o estado de conservação da estrada e as condições climáticas precisam de um modelo específico para elas próprias, agregando ainda mais dificuldade ao cálculo.

De qualquer forma, vamos dar um passo além: pode-se modelar, por exemplo, de quanto em quanto tempo você pisca seus olhos? Pode-se modelar a que horas você vai dormir hoje? Pode-se modelar o momento exato da sua morte? Poderia eu prever que você está lendo esse texto? (De certo modo, sim, já que ao chegar até aqui, certamente você precisou ler o post...) Generalizando, pode-se modelar todo comportamento que ocorre no mundo, por mais irrelevante que ele seja, ou então modelar cada acontecimento da sua vida e das pessoas que o cercam? Pasme: em teoria, sim. Em teoria.

Vamos partir do pressuposto de que as ciências exatas, em particular a Física, a Química e as suas respectivas conexões com as demais áreas do saber, tenham alcançado todo o conhecimento possível acerca do universo. Sendo assim, todo e qualquer sistema, por mais complexo que fosse, poderia ser modelado por alguma ferramenta de modelagem, já que teríamos diversas equações para explicar desde o mais simples dos fenômenos até o mais assombroso (e, de certa forma, encantador) dos problemas. Ou seja: com uma quantidade finita de cálculos (mas ainda assim assustadoramente grande), poderíamos, sim, "prever" o futuro.

Deu pra perceber que isso soa um tanto utópico, não é? Infelizmente (ou felizmente), de fato, o é. Nem que colocássemos os mais poderosos super-computadores para atuar em conjunto, os maiores servidores para armazenar os dados recolhidos e as mentes mais brilhantes de todo o mundo para coordenar todo o projeto, o resultado ainda teria uma margem de erro um tanto significativa. Somos mais de sete bilhões de pessoas, habitando um planeta de mais de 12.000 km de diâmetro e 5.973.600.000.000.000.000.000.000 kg (nem me pergunte que número é esse por extenso!), com constante atividade de origem atmosférica, magnética, gravitacional, cinética, térmica, elétrica e o que mais você imaginar, além de suas respectivas interações umas com as outras... Mas seria tudo isso MESMO possível, mesmo em um futuro distante, dadas as circunstâncias (pelo menos aparentemente) nem um pouco favoráveis?

Não só seria possível como nós já experimentamos isso em nosso próprio cotidiano - e olha que nem é algo assim tão novo. Podemos modelar, por exemplo, o crescimento de uma população em uma colônia de bactérias através de uma função exponencial cuja variável é o tempo. Podemos modelar quantos pássaros da espécie Diomedea exulans (popularmente conhecido como albatroz) põem seus ovos nas ilhas Malvinas entre os meses de dezembro e fevereiro fazendo-se uso de uma equação diferencial de segunda ordem, por exemplo. A cada vez que você assiste a Rosana Jatobá apresentando a previsão do tempo no Jornal Nacional, você está assistindo a uma previsão (com uma margem de erro altíssima) de como estarão as condições climáticas do país no dia de amanhã.

Se me permitem fazer uso do trocadilho infame, o nosso futuro distante pode estar nos aguardando em um futuro ainda mais distante. Algo que nos é objeto de desejo desde nossos primórdios pode não ser algo assim tão etéreo quanto se imagina. No entanto, ainda nos falta o toque divino de prever quem nós mesmos seremos daqui a um tempo, sem ainda o sermos. A ideia é um tanto confusa e (mais ainda) estranha. Acima de tudo, perigosa, já que o mal uso de tais informações pode implicar em sérias consequências para uma pessoa, uma comunidade, uma nação e até mesmo para a manutenção de toda a vida no planeta. Resta-nos sonhar. Ou ter pesadelos.