domingo, 30 de outubro de 2011

capítulo 11: um rock incomoda muita gente, dois incomodam muito mais...

“(...) that songs allow a person top ut their own imagination, experiences and dreams into the lyrics. People can interpret it in many ways. Ms. Gore was looking for sado-masochism and bondage and she found it. Someone looking for surgical references would have found that as well.”

Usando de extrema inteligência e um vocabulário soberbo, Dee Snider se comportou feito mau menino diante das senhoras ultracatólicas que se assentavam na corte estadunidense para julgá-lo em 1985. Cabelo comprido, calças justas e um discurso anotado num papel amassado, sua estética extravagante contrapunha os ternos alinhados dos homens da lei. Com o mesmo tom subliminar de suas letras, a principal de suas acusações naquela tarde, afirmou que a sujeira residia na mente dos intérpretes, nunca dos compositores. O brutamontes que subia aos palcos vestido de boneca, para surpresa geral, até que era bom argumentador!

“Aposto sua vida que você não precisa de religião.”, ouvem os jovens fãs de Motörhead em pleno horário nobre – quem seria capaz de calcular o tamanho do estrago que esse tipo de letra contestadora e acessível causaria no seio da família tradicional? O rock traz à tona o maravilhoso significado de experimentar o diferente, de trilhar vias impressionantemente ridículas e belas, de contestar o que se manteve incontestável durante séculos. Os pais mais cautelosos precisariam se mudar para outro planeta ou esconderem os filhos em abrigos nucleares caso desejassem evitar o inevitável encontro entre a molecada e o conjunto de brincos tipo argola e batons anil do Bon Jovi.

E como explicar os inúmeros odes à figura máxima do submundo? A memória de Satã é poucas vezes visitada pelos satanistas reais. A maioria das composições é feita por gente que desacredita ou pouco se importa com o referido personagem da ficção bíblica. Mas quem se importava com ele até então? Onde esteve o princípio de isonomia e direito à defesa durante séculos? Satã, creia-se nele ou não, sempre foi julgado sem jamais ser ouvido, tudo que se conhece dele são vozes da promotoria. Fica fácil notar porque um movimento artístico sério adotaria esse tipo de biografia polêmica para se referir às injustiças cometidas no mundo.

Nós, humanos, agraciados com a selvageria instintiva que pontua o reino animal, usamos a arte para canalizar uma série de sensações que, de outro modo, surtiriam efeitos catastróficos. As desconexas associações entre rock e formas de violência gratuita escondem uma realidade alarmante: pais pouco informados, governos oportunistas e educadores incompetentes. Não à toa, o filho dos sonhos de um casal norte-americano morreria servindo aos propósitos escusos da nação nas trincheiras afegãs, mas não perderia seu tempo fazendo som indigesto na garagem de casa. Os genitores preferem armas de fogo a palhetas ou baquetas nas mãos de suas crias.

Durante os dias úteis, as crianças são expostas nas escolas seculares a histórias sanguinolentas sobre os grandes conquistadores da América. Nas escolas dominicais são orientadas a seguir o exemplo do perseverante e abençoado rei Davi, frio anexador de territórios e perseguidor étnico. Doutrinação tácita que perdura até a fase adulta e se recicla assustadoramente ante nossos olhos. Comparadas aos exemplos de conduta e ética relacional que norteiam a educação básica dos jovens ocidentais, as canções perturbadoras do Slayer mais parecem canções de ninar.

Onde nasceu o rock, morreu o comodismo intelectual. E pensar incomoda muita gente!