sábado, 27 de agosto de 2011

capítulo 9: pesados já somos, agressivos seremos







O metal já era pesado. E ainda podia ser mais agressivo, rápido e técnico. Era uma necessidade para alguns ouvintes, uma possibilidade técnica cabível no formato do rock e um desafio para os músicos. Necessidade próxima daquela geração do rock progressivo em testar novos e caros equipamentos de sintetização, mas aqui os recursos técnicos já eram bem mais acessíveis e passava longe a ideia de experimentação. Eles sabiam de cor e salteado as possibilidades técnicas de seus instrumentos, a evolução em termos de tecnologia servia muito mais para assegurar uma produção de qualidade que mostrar algo revolucionário. A revolução teria de vir deles, reciclando sempre que possível as técnicas básicas que se consolidaram no metal tradicional. A rigor, a criação de vertentes do metal tradicional é uma adequação técnica aos mais variados fins que você e seu grupo desejassem cantar.

As ramificações do metal tradicional começam numa aposta ingênua: que tal extrair a velocidade que costuma ficar morta nos solos (já muito estereotipados então como o momento “porra louca” da canção) e deixar a canção inteira veloz? Por um lado, assumir essa hipótese na hora de compor restringe bastante as possibilidades de criar músicas distintas entre si, mas é uma excelente estratégia para catapultar as bandas num cenário já tão concorrido. Assim, novas regras foram surgindo: o baixo precisava deixar a música rápida o suficiente para que, até nos seus trechos mais cadenciados, a porrada fosse mantida; as guitarras passaram a adotar uma referência de tempo além daquela consagrada por Black Sabbath e Iron Maiden, partindo dos 160 bpm em diante; a bateria abusava dos pedais duplos e um vocal rasgado para casar com o resto. Nascia o speed metal, um ramo de trajetória curta e fundamental para novos desmembramentos. No princípio ele era basicamente tudo que já se fazia, só que mais rápido. Se hoje em dia parece absurdo pegar uma canção e torná-la veloz sem motivo aparente, naquela época a ação comercial do headbanging era uma alternativa à disco music. Para quem investia, por mais torpes suas intenções, contrapor uma geração dançante com outra mais agitada e de aparência menos comportada era lucrativo, os jovens eram apresentados a um estereótipo urbano e bem arquitetado com as propagandas de cerveja e cigarro.

Alguns grupos famosos abraçaram o estilo, como Motörhead, Judas Priest e Venom, este último trazendo para junto da velocidade uma atmosfera crua e áspera que influenciaria a única geração consistente de grupos dedicados ao speed puro, composta por Agent Steel, Razor e Exciter, entre outros. Consistentes porque ainda estão em atividade e lembram um intervalo crucial no desenvolvimento do rock, ainda são fiéis ao gênero que os projetou e fazem uma espécie de cena à parte, que, por mais inovadora, permanece presa na velha e boa fórmula do passado. Ouvir um trabalho desse período chega a ser engraçado, podem até ser elaborados e cheios de garra, mas prevalece alguma inocência e amadorismo, quase um entusiasmo adolescente difícil de imaginar hoje em dia, tempo de música plastificada e pronta para consumo.

Dois excelentes álbuns de speed metal com algo mais são Painkiller do Judas Priest e Walls of Jericho do Helloween. Eles vão para além da alta velocidade e apresentam certo nível de independência em relação à fórmula básica, conseguem imprimir seus temas sem perderem a pegada. Praticamente todas as bandas na segunda metade dos anos 80 se perguntaram o quanto valia a pena investir no gênero, já que exemplos demonstravam ser possível casar suas próprias identidades com os requisitos técnicos. Houve então um encorajamento coletivo para que os compositores trabalhassem ideias, a rigor, absurdas em suas músicas com a certeza de que poderiam achar um público cativo.

Metallica: Cliff Burton, James Hetfield,
Lars Ulrich e Dave Mustaine
O metal já era pesado. E deveria ser mais agressivo, rápido e técnico. Surgia o thrash metal para legar ao mundo grupos geniais que fariam desta a única vertente comparável ao heavy em termos de sucesso e repercussão. Cada fonte argumenta uma possível origem do estilo – aqui assumo para fins didáticos a canção Unleash the Beast Within do Overkill como a pioneira na superação das vertentes anteriores, bem como Kill ‘Em All (1983) do Metallica é o primeiro álbum de inéditas do thrash. Iniciando suas atividades em Los Angeles, o Metallica é resultado de uma procura do baterista Lars Ulrich no jornal The Recycler por integrantes para seu novo grupo. Da Califórnia vieram outras ótimas bandas, como Exodus (autora do ótimo 'Bonded by Blood'), Testament, Death Angel e Vio-lence. Voltando ao Metallica, sua primeira formação realmente expressiva veio com James Hetfield (vocal e guitarra), Cliff Burton (baixista famoso pela habilidade em usar pedais wah-wah) e Dave Mustaine (guitarrista problemático, mais tarde substituído por Kirk Hammett). Metallica seria uma banda lendária feito poucas, marcada por inúmeros episódios e autora de, no mínimo, duas obras-primas que constam na lista dos 200 álbuns definitivos da Rock and Roll Hall of Fame: Ride the Lightning (1984) e Master of Puppets (1986). Para alguns, inclusive Ozzy Osbourne e eu, por critérios pessoais e vantagem apertadíssima, Master é o melhor álbum de metal de todos os tempos e condensa as virtudes básicas em que todo trabalho deveria se pautar: adotar um conceito sólido e escolher a técnica adequada para trabalhá-lo. Sempre que ouço Master penso na felicidade daqueles caras em distorcer, acalmar, ranger e solar apenas quando fosse necessário. Coincidência ou não, a genialidade evidente do Metallica exigiu níveis extraordinários de outras bandas que desejassem semelhante ascensão.

Dos excessos alcoólicos e narcóticos de Dave Mustaine, surgiu o mais eloquente pé-na-bunda da história do rock. Ao ser enxotado do Metallica, mandado de volta para casa num ônibus e só dimensionar a situação no fim da viagem de volta, Dave prometeu e cumpriu sua promessa de fundar uma banda mais pesada e bem conceituada que o Metallica. Isto parece ainda mais verdadeiro quando se pensa no rumo deprimente que o Metallica tomou nos anos 90 se aproximando da música pop e do rock alternativo, tudo menos o thrash vigoroso que outrora ajudara a criar. A menina-dos-olhos de Dave se chama Megadeth e lançou, no mínimo, três álbuns obrigatórios na estante da boa música: Killing is my Business... and Business is Good (1985), Peace Sells... But Who’s Buying? (1986) e o magistral Rust in Peace (1990). Há quem credite ao Megadeth o som instrumental mais caprichado da história do metal, não seria exagero algum porque em tudo feito por eles existe um quê de perfeccionismo e vingança de Dave Mustaine em relação ao Metallica.

long-play de Reign in Blood
O chamado big four do thrash metal se completa com Slayer e Anthrax, todos de origem estadunidense. Costumo brincar que Slayer deve ser a única banda no mundo que nunca fez nada, absolutamente nada de frescura: é porrada e metal sério do começo ao fim. Dois de seus integrantes são declaradamente ateus – Kerry King e Jeff Hanneman – e álbuns de títulos auto-explicativos – Christ Illusion, God Hates Us All, Diabolus in Musica – reforçam o sujeito anticristo presente em suas fortes letras. Sua obra-prima é Reign in Blood (1986), considerado com todos os méritos o disco mais rápido e pesado de todos os tempos pela revista Kerrang!, também apelidado de “faixa única de 29 minutos”, o exemplo definitivo de som sujo, objetivo e cru. Por sua vez, o Anthrax deve bons trabalhos há bastante tempo, mas sua importância no thrash é garantida pelos três discos inciais, em particular o grandioso Among the Living (1987).

A única cena regional importante tanto quanto a estadunidense, para variar, vem da Alemanha, que se dá ao luxo de manter um big four só dela formado por Kreator, Destruction, Sodom e Tankard (esta com a incrível marca de não ficar três anos sem lançar um álbum). O thrash metal teutônico não apenas explorou as referências do outro lado do oceano, mas criou uma identidade própria reforçando as características básicas do movimento original. Se hoje o metal alemão está mais focado nas vertentes extremas que nas tradicionais, muito disso se deve ao que essas bandas desenvolveram – exemplo disso é Pleasure to Kill (1986), técnico, rápido e cujas letras viscerais sobre matança gratuita foram uma baita inspiração do Kreator para a concepção do death metal. Semelhante fenômeno se deu no Brasil, onde as bandas mais eloquentes de thrash como Sepultura, Dorsal Atlântica e Korzus faziam, no mínimo, uma sonoridade mais extrema que o normal.

Por contradição, os gêneros ainda mais extremos e os melódicos dominaram o mercado dos anos 90, deixando poucas alternativas a quem fazia metal old school. Fusões lamentáveis de thrash com industrial, gótico, nü, pop e rap foram ilustradas por gente de respeito numa tentativa desesperada de manter suas bandas na ativa. O estilo foi modernizado na medida do possível e novos lançamentos têm sido bem recebidos pela crítica, destaque para o excelente Hordes of Chaos (2009) do Kreator, a meu ver o melhor álbum de thrash dos anos 2000.

domingo, 21 de agosto de 2011

capítulo 8: na crista da nova onda

Natal de 1975. O Smiler, um pequeno grupo de hard rock da capital inglesa, Londres, acabara de perder seu baixista, que resolveu deixar a banda por si próprio. Esse baixista adorava variações rápidas de velocidade e mudanças bruscas no passo da música, o que obviamente não é uma tarefa nem um pouco fácil de ser executada e, justamente por isso, os demais integrantes, de certa forma, "vetaram" o pobre baixista do direito de fazer composições, o que explica sua saída da banda. Mas ele agora queria ter uma banda propriamente sua, onde ele mandasse e desmandasse quando, onde e em quem quisesse.

Assim, o tal baixista, Stephen Percy "Steve" Harris, chamou seus amigos Paul Mario Day (que, anos depois, cantaria no aclamado The Sweet, além de uma participação no festival Monsters of Rock 1981 com sua banda, o More), os guitarristas Dave Sullivan e Terry Rance e o baterista Ron Matthews para formar aquela que seria uma das bandas mais influentes da história (e talvez a mais famosa delas), o Iron Maiden. O nome foi inspirado em um instrumento de tortura medieval, a dama de ferro, uma espécie de sarcófago onde os hereges, pecadores e os demais grupos perseguidos pela Santa Inquisição eram trancados e, através de pequenas aberturas nas laterais, eram inseridas espadas, facas, floretes, etc. Tal instrumento foi relatado por Alexandre Dumas, em seu clássico absoluto O Homem da Máscara de Ferro, o que teria inspirado Harris, um ex-jogador de futebol formado em desenho arquitetônico e fascinado pela literatura. Este fascínio abriu espaço para composições como Phantom of the Opera (baseada na ópera O Fantasma da Ópera, de Gaston Leroux), Murders in the Rue Morgue (do livro Os Assassinatos da Rua Morgue, de Edgar Allan Poe), To Tame a Land (baseada no livro sci-fi Duna, de Frank Herbert - a música seria inclusive chamada de Dune, mas Herbert não só vetou como ameaçou processar o Iron Maiden) e Rime of the Ancient Mariner (com base no poema A Balada do Velho Marinheiro, de Samuel Taylor Coleridge), bem como para discos conceituais inteiros, como Seventh Son of a Seventh Son (1988), inspirado pelo livro O Sétimo Filho, de Orson Scott Card, e Brave New World (2000), cujo tema foi retirado do clássico Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

Depois de incontáveis idas e vindas de integrantes (foram ao todo 21 integrantes diferentes na história da banda, sendo que apenas 10 gravaram pelo menos um dos 15 discos da carreira da banda), o Iron contava, em 1979, com Paul DiAnno nos vocais, Dave Murray e Dennis Straton nas guitarras, Steve Harris no baixo e Doug Sampson na bateria. O estilo de DiAnno se destacava dos demais: ele era o único que tinha cabelo curto e, diferentemente de Harris, que tinha influências de UFO e Deep Purple, ou Dave Murray, que teve influência dos Beatles e de Jimi Hendrix, Paul era mais adepto do estilo punk dos Ramones, dos Sex Pistols e do The Clash. Ao invés de adotar um estilo ou o outro, os primeiros registros do Maiden, e em particular a clássica The Soundhouse Tapes (1979), traziam uma mescla entre o punk e o heavy metal mais obscuro do Black Sabbath, por exemplo.

Dessa mescla, nasceu o que talvez foi o maior movimento da história do rock, a NWoBHM (New Wave of British Heavy Metal, ou Nova Onda do Heavy Metal Britânico). O negócio era fazer um som pesado como o punk, mas tão virtuosa como o hard rock ou mesmo o blues, quase que indiretamente. A sonoridade calcada no melodicismo do hard rock ficara para trás com o Judas Priest - pelo menos por ora. O Iron Maiden, que sem dúvidas foi a maior e mais influente banda da NWoBHM, demitiu Paul DiAnno em 1981, e o vocalista que então era do Samson, Bruce Dickinson, alterou completamente a sonoridade da banda logo em seu álbum debut, o terceiro da Donzela, The Number of the Beast (1982). No mesmo ano - que provavelmente foi o ápice do heavy metal, com lançamentos como Blackout (Scorpions), Diver Down (Van Halen) e Creatures of the Night (Kiss) -, o Judas Priest lançou o Screaming for Vengeance que, aliado ao imediatamente anterior British Steel (1980) e ao posterior Painkiller (1990), tornaram-se os maiores sucessos da banda de Birmingham. As bandas da NWoBHM obviamente eram heavy metal, mas tinham uma característica interessante que bandas de heavy metal surgidas anteriormente a ela, como o próprio Judas Priest, o Black Sabbath ou o Motörhead não apresentavam - e que, aos poucos, foram agregando a seu som posteriormente: mais do que um clima soturno e composições pesadas, o ritmo era extremamente veloz, algo que nunca havia sido feito anteriormente ao punk (e é bom lembrar que é justamente o punk o pai da velocidade do metal produzido posteriormente). Glenn Tipton - K . K. Downing e Dave Murray - Dennis Straton (sendo este substituído por Adrian Smith em 1981) introduziram o conceito das ditas "guitarras dobradas", onde os dois guitarristas fazem um dado riff em tons diferentes que, acrescido do baixo, cria um gradiente sonoro muito interessante. Outra invenção das duas duplas das bandas "testa-de-ferro" da NWoBHM são os solos divididos entre os dois guitarristas, sendo que eles alternam entre a base e o solo de acordo com a composição e o estilo de cada um deles.

As bandas surgiam em cada esquina da cidade de Londres e de seus arredores. Os jovens headbangers do país, carentes de bandas de metal pesado e desempregados em um país onde a primeira-dama Margaret Thatcher (outra inspiração pro nome Iron Maiden, além do instrumento de tortura, aliás) não dava esperança ou perspectivas a eles, uniram toda a rebeldia do punk com o peso do heavy metal obscuro do Black Sabbath nos anos 1980. Poucas bandas, dentre as milhares que surgiram, adquiriram alguma notoriedade, mas destas podemos citar, em particular, o Def Leppard (não são poucos os que taxam a banda como hard rock e, portanto, não pertencente à NWoBHM, mas é impossível não citá-la), Saxon, Tygers of Pan Tang, Tokyo Blade, Blitzkrieg e Diamond Head. Mais do que o maior marco de toda a história do heavy metal, a NWoBHM foi um grande passo na história do metal. O Venom, uma das bandas surgidas na NWoBHM, daria o primeiro passo rumo às vertentes mais extremas que temos atualmente, sendo inclusive a precursora de um deles, o black metal. Um jovem tenista dinamarquês fascinado pelo movimento criaria uma das vertentes mais populares da história do rock, o thrash metal. Estes, no entanto, são assuntos para um próximo capítulo...